A redescoberta de um sapo de 2cm que vale ouro para a ciência
Pingo-de-ouro. Do tamanho de uma unha, o sapinho da espécie Brachycephalus bufonoides, vista em 1909, é achado em uma floresta de Nova Friburgo.
Ele tem só dois centímetros, mas a sua redescoberta na mata do Estado do Rio tem peso de ouro. Pesquisadores do Museu Nacional e do Instituto de Biologia da UFRJ acabam de comprovar que um sapinho dourado encontrado numa trilha da Área de Proteção Ambiental Estadual de Macaé de Cima é o Brachycephalus bufonoides — ou simplesmente pingo-de-ouro —, que não era visto por cientistas há mais de cem anos. Havia a hipótese de que a espécie, que pertence a um grupo de sapos miniaturizados, estava extinta.
A redescoberta, que acaba de ser publicada em artigo na revista científica Zootaxa, da Nova Zelândia, emocionou pesquisadores e foi recebida com festa pela direção e por frequentadores da APA Macaé de Cima. Entre os motivos, está a de que a presença desse bichinho do tamanho de uma unha, extremamente sensível, é um indicador de preservação daquela floresta. Ele foi encontrado num ponto da trilha da Serra Queimada, em Lumiar, área pertencente a Nova Friburgo, a cerca de 1.100 metros de altitude.
— A gente o encontrou em 2015. Mas depois houve o trabalho de anatomia pesada e de visita a coleções, além do tempo para a publicação do artigo, que só saiu agora — explica José Pombal, professor do Museu Nacional e curador das coleções de anfíbios da instituição.
Ele conta que um naturalista alemão, que fez em 1909 uma viagem longa, interessado principalmente em aves, esteve em Friburgo, de onde levou dois exemplares da espécie. Desde então, ela nunca mais tinha sido encontrada.
— Quando a gente viu, imaginou que fosse outra espécie, de tanto tempo que estava sumida.
Pombal, que estuda sapos e tem uma predileção especial por essas espécies miniaturizadas (há no Rio ainda uma menor, que não chega a um centímetro, na área de Sacra Família do Tinguá), é um dos que assinam o artigo, junto com Manuella Folly, Lucas Coutinho Amaral e Sérgio Potsch de Carvalho e Silva.
— Trabalho com anfíbios, mas os Brachycephalus são os que mais eu gosto. Quando você mostra um muito pequeninho, douradinho, que, em vez de pular, anda, não tem quem não se encante — garante Pombal.
O pingo-de-ouro é diferente de outros sapos não só pelo tamanho e cor. Ele é diurno e só pula quando está assustado. Ele vive no chão da mata e seu movimento parece feito em câmera lenta. E ele já nasce um sapinho formado; não há girinos. Como seus parentes, os machos cantam para atrair as fêmeas. A espécie é considerada endêmica, porque só se conhece sua existência nessa localização. Há, aliás, a possibilidade de ela viver somente nessa área específica da trilha da Serra Queimada. Por isso, qualquer dano nessa mata pode extinguir a espécie inteira.
Achado em 1909
O responsável por identificar o Brachycephalus bufonoides pela primeira vez foi o naturalista viajante alemão Ernst Garbe. Os dois exemplares coletados por ele em Macaé de Cima estão no Museu de Zoologia da USP.
Os pesquisadores envolvidos na redescoberta compararam os animais encontrados recentemente com os que estão em São Paulo. Foram feitos estudos de diferentes formas, incluindo material genético e uma tomografia computadorizada de alta resolução, que permitiu ver a semelhança dos esqueletos.
A pesquisadora Manuella Folly, pesquisadora do Museu Nacional Foto: Álbum de família / Agência O Globo
O sapinho foi achado novamente pelo guarda florestal Leon Veiga, que atua na APA. Uma equipe coordenada por Manuella Folly foi ao local, mas em busca, na verdade, de outro sapo amarelo. Acabaram se deparando com uma espécie diferente, que virou objeto de investigação.
— Os sapos cantam para atrair a fêmeas, mas nesse bicho essa característica é diferente de outras espécies. O canto dele parece o de um grilinho, bem baixinho e repetitivo — relata Manuella, bióloga que estuda, em seu pós-doutorado no Museu Nacional, esse gênero de anfíbios. — Esse bicho ocorre em lugares específicos da mata, bem úmidos, com floresta bem densa e com grande quantidade de folhas no solo. A grande sorte é que a região é preservada, apesar de contar com ecoturismo.
Gestor da APA de Macaé de Cima, o geógrafo Ricardo Voivodic diz que os sapinhos vivem próximos a um mirante, de onde se vê o mar de Macaé e Rio das Ostras. A trilha, considerada fácil, leva cerca de duas horas a partir de Lumiar. É frequentada por famílias e amantes de caminhadas e está localizada no meio de um fragmento florestal preservado, que possui uma pequena cachoeira onde as pessoas podem beber a água, de tão limpa. A vegetação conta com ipês do tipo amarelo, roxo e branco e uma fauna rica, incluindo o sagui-da-serra-escuro, ameaçado.
— É uma trilha fácil, que costumamos usar para educação ambiental, o que torna o sapinho mais rico ainda — comenta o geógrafo, dizendo que o bicho virou assunto na região. — A APA, diferente do parque, convive com a propriedade privada. Aqui há pousadas, sítios, lavoura… E a gente tenta fazer um trabalho de convencer as pessoas da importância da preservação. A redescoberta dessa espécie tão rara aqui dá força para a gente nisso.
Do tamanho de uma chave
Perto da APA, no Parque Estadual de Três Picos, a equipe de guardas florestais vibrou, no mês passado, ao se deparar com um sapinho tão pequeno quanto o pingo-de-ouro, só que laranjinha. Uma das fotos chama a atenção: ele foi colocado ao lado de uma chave de carro, aparecendo menor que o logotipo da Volkswagen. Para Mayara Barroso, gestora de Três Picos, maior parque do Rio, o diminuto bicho é uma prova do equilíbrio da floresta. O GLOBO enviou as imagens para Manuella e José Pombal, que acreditam se tratar de um parente do pingo-de-ouro, o Brachycephalus garbeanus, batizado em homenagem a Ernst Garbe e que já é estudado.
— Com essa redescoberta (do pingo-de-ouro), fica a vontade de vasculhar mais toda essa região, pouco explorada por pesquisadores — revela Manuella.
Fonte: https://oglobo.globo.com